As cidades e os olhos
Depois de ter caminhado sete dias através de bosques, quem vai para Bauci não consegue vê-la e no entanto já lá chegou. São as finíssimas andas que se elevam do solo a grande distância umas das outras e se perdem acima das nuvens que sustêm a cidade. Sobe-se com escadotes. No chão os habitantes raramente se mostram: têm já tudo de que precisam lá em cima e preferem não descer. Nada da cidade toca o solo à excepção daquelas pernas compridíssimas de fenicóptero em que assenta e, nos dias luminosos, uma sombra perfurada e angulosa que se desenha na folhagem.
Três hipóteses se põem sobre os habitantes de Bauci: que odeiam a Terra; que a respeitam a ponto de evitar qualquer contacto; que a amam tal como ela era antes deles e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se cansam de passá-la em resenha, folha a folha, pedra a pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a sua própria ausência.
Italo Calvino,
As Cidade Invisíveis, pg. 79
Marco Polo descreve uma ponte, pedra a pedra.
- Mas qual é a pedra que sustém a ponte? - pergunta Kublai Kan.
- A ponte não é sustida por esta ou por aquela pedra - diz Marco, - mas sim pela linha do arco que elas formam.
Kublai Kan permanece em silencioso, reflectindo. Depois acrescenta: - Porque me falas de pedras? É só o arco que me importa.
Polo responde: - Sem pedras não há arco.
Italo Calvino, As Cidade Invisíveis, pg. 85
Há já um tempo que li estas passagens do livro, mas marcaram-me tanto que me lembrei delas e tive de as publicar. Tudo isto tem haver com o que ando a fazer, com o que ando a desenhar: a malha que está por detrás das cidades que agora conheço. Descobrir os diferente níveis a que se pode conhecer uma cidade e saber o que ela significa para mim.